segunda-feira, 7 de abril de 2008

VICTOR HUGO UNIVERSAL E CATEDRALESCO

"Como é triste a alma, quando a sua tristeza provém do amor". - Victor Hugo
Enquanto que Byron, o poeta que carrega toda a dor da Europa, é visto e admirado como um símbolo de rebeldia individual, Victor Hugo é admirado como símbolo de rebeldia universal, abrangendo de forma compacta toda a humanidade.
A grandeza das idéias e princípios byronianos consiste em conflitos da alma, dúvidas, medos, amores e paixões desenfreadas. É o indivíduo, o fragmento que sente profundamente uma aspiração e um fascínio pelos mistérios e pelas sombras.
Já a obra de Victor Hugo é o espelho que reflete toda esta humanidade sofredora, o povo oprimido pela miséria. As grandes massas humanas em conflitos e confrontos diretamente ligados com todas as questões sociais.
A miséria, mãe de todas as desgraças, encontrou em Victor Hugo seu confessor e testemunho fiel, e da profunda reflexão deste vasto universo de sofrimento nasceram obras como Os Miseráveis, O Corcunda de Notre Dame, O Homem que Ri, Os Trabalhadores do Mar, Noventa e Três, entre tantas outras.

A obra O Corcunda de Notre Dame é mais conhecida pelo título Nossa Senhora de Paris, e o drama todo se dá em uma Paris medieval, com o personagem central sendo um protótipo corcunda que daí para frente fica definitivamente gravado como figura de fortes traços disformes. Quasímodo, como é chamado, é uma figura grotesca por seu lado físico externo, mas humanamente ingênua e oprimida na alma...
O cinema soube explorar muito bem esse personagem no começo do século, e o grande Lon Chaney, um dos melhores atores de cinema de horror de todos os tempos, foi quem fez o papel de Quasímodo. Desta forma, O Corcunda de Notre Dame estava definitivamente imortalizado através do cinema, passando a fazer parte da vasta galeria de monstros que compõem todo o cenário de horror cinematográfico.
Futuramente a imagem grotesca e disforme do corcunda passa a fazer parte também de filme de vampiros, mas literalmente é personagem Huguesco e não de Bram Stocker (o escritor criador do mais famoso vampiro da história, Drácula). Assim, o corcunda reflete um conflito profundo de submissão e deficiência física que para o povo é motivo de escárnio e zombaria, em oposição a sua figura que causa repugnância vista diretamente por qualquer um.
Mas Quasímodo surpreende o espectador por seu profundo sentimento por uma bela jovem, a personagem cigana Esmeralda. Seu tímido amor por ela faz com que ele lute sozinho contra a tirania da igreja e a população enfurecida.
Em uma cena impressionante tirada das imortais páginas da obra de Victor Hugo, o cinema transforma o conflito em um épico de combate violento. A cena onde, de cima da Catedral de Notre Dame, o corcunda joga enormes blocos de pedra na multidão esmagando dezenas de indivíduos aglomerados no portal principal da igreja com o intuito de invadir e sequestrar Esmeralda, toma mais energia e movimento quando um enorme tronco de madeira maciça também é precipitado catedral abaixo, esmagando mais infelizes!
Por fim, Quasímodo derrama pelas bocas dos gárdulas do alto de Notre Dame, um enorme caldeirão contendo chumbo derretido a ferver em fogo brando, queimando impiedosamente boa parte de seus inimigos malfeitores.
Impressionante! Victor Hugo é impressionante!
Meu argumento toma fôlego para falar agora dos Miseráveis, outra obra de grande mérito também transportada para o cinema, e este é que tem a força propulsora de imortalizar definitivamente uma grande obra literária. Se bem que ela já era imortal.
O grande escritor Afonso Schmidt dizia que Os Miseráveis é um romance escrito dia-a-dia com todas as forças da alma. E realmente, é a força da alma que clama por justiça, então aí está um grande e infinito conflito humano. Repleto de personagens que no fundo refletem a cada um de nós em nossa luta dia-a-dia pela sobrevivência em meio ao caos e as lágrimas.
Neste horror verdadeiro, provocado pela mãe de todos os males do mundo, a miséria, toda criatura depara-se com um fantasma um tanto sinistro, a fome que carcomendo o estômago impele a criatura ao roubo, ao crime, a prisão e a morte.
Na obra Os Miseráveis, tudo isso é muito presente, muito real, muito verdadeiro, reflexo muito bem elaborado da realidade humana.
Mas o catedralesco Victor Hugo, genial em suas criações literárias, surpreende-nos em uma de suas obras, Os Trabalhadores do Mar, em uma outra cena fantástica descrita minuciosamente por ele mesmo como se ele tivesse havido presenciado um terrível combate de um de seus personagens, Gilliat, com um enorme monstro marinho, uma espécie de polvo gigante. Observem este fragmento:
"Gilliat estava na água até a cintura, os pés crispados sobre escorregadios seixos redondos, o braço direito aperreado e imobilizado pelas lisas espirais dos tentáculos do polvo... Três dos oito braços do polvo continuavam aderentes à rocha, os outros cinco aderentes à Gilliat. Tinham em cima dele duzentas e cinquenta ventosas, numa mistura de angústia e asco. Ver-se apertado por um punho desmesurado cujos dedos elásticos de quase um metro estão cobertos do lado interior por vivas pústulas que lhe escavam a carne! O polvo foi apertando cada vez mais e mais, e o seu esforço cresce em proporção ao homem..."
Aqui neste épico de arte fantástica, Victor Hugo descreve este violento combate com um monstro marinho como que se toda a cena fosse por ele filmada em uma câmera super 8. Coisa que em seu tempo ainda não havia sido inventada.
A universalidade dos personagens Huguescos atinge proporções por nós muito pouco compreendidas, mas o paralelo com a nossa própria realidade é muito claro! Sentimo-nos assim diretamente envolvidos ao mergulhar nas páginas de seus escritos ou ainda com o novo recurso, assistindo algum filme onde a obra de Victor Hugo foi muito bem adaptada para as telas, como é o caso de Os Miseráveis e O Corcunda de Notre Dame, entre outras. Quem puder conferir, faça-o agora porque é imperdível e fascinante, além de ser uma lição de humanidade...